Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos
os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
do meu quarto de um dos milhões
do mundo que ninguém sabe quem é
Dais para o mistério de uma rua
cruzada constantemente por gente,
para uma rua inacessível a todos os pensamentos
(...)
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade
estou hoje lúcido, como se estivesse
para morrer
(...)
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum,
talvez tudo fosse nada.
a aprendizagem que me deram,
desci dela pela janela das traseiras
da casa,
fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
e quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira.
Em que hei-de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não
sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa
que não pode haver tantos!
( excerto de alguns versos do poema "Tabacaria" de Fernando Pessoa)